Travas, de Alegra Catarina

Travas, de Alegra Catarina

Considerando o prazo das declarações, declaro-me apaixonada, até que passe.

Acabo de me apaixonar por você. Agora, neste instante. Antes não. Faltava este pouquinho…

Eu me apaixonei por você a partir deste pouquinho que faltava. Ouvi cem vezes. “Ás vezes, a verdade não basta, as pessoas merecem mais.” “Ás vezes as pessoas merecem ter a fé recompensada.” “É um guardião silencioso, um protetor cuidadoso, um cavalheiro das trevas”.

Apaixonei por você, cavalheiro, quando o reconheci. E vez reconhecido, estou corrigindo o erro imediatamente!!!

Agora podemos usar o picador de papel e jogar tudo fora? Podemos arrebentar a fita? Podemos quebrar todos os dvds e as cópias? E apagar todas os textos? E todas as fotos, desenhos, lembranças? Porque eu gostava bem mais quando era meu amigo e falava comigo. E quando eu podia errar à vontade e pedir on-line e na mesma hora: desculpe, por favor, que andei te estuprando com minha boca suja. Andei abusando, mexendo em feridas, e desrespeitando o limite dos teus espaços, as dores das tuas paredes.

Eu queria que desculpasse. E que me considerasse amiga como me considerava até anteontem. Alguém com quem contar. Porque é importante pra mim. Eu tenho consideração sincera por você. E se por um lado tenho uma vontade doida (varrida, pirada) de fazer sexo contigo , também tenho a esquerda, e feito uma dama, sei reconhecer quando erro.

Queria conversar pessoalmente. E claro que eu queria poder transar contigo pessoalmente. Esquece isso! Diante da amizade, o sexo é dispensável. Não sei quem teve esta ideia. Tudo bem, falei primeiro, reconheço. Mas você escreveu: “enquanto a gente não transa” – deu a brecha! Meteu querosene correr nas minhas veias! Meu sangue foi reagindo.

Esperei, reguei, temperei, mexi pacientemente em banho maria, escaldei, conservei envasado. Mas a química acabou me estufando. Perdi o controle. Até ontem, à meia noite. Agora é primeiro de maio. Chega de tributar à você. Me entregue aos cães enquanto aos cães ainda sirvo. O prazo, e a validade, venceram.

Eu me apaixonei por você a partir deste pouquinho que faltava. Ouvi cem vezes. “Ou você morre herói ou vive o bastante para ver você mesmo virar vilão”. “Então vamos caçá-lo, porque ele aguenta”.

Carbonizei de esperar.

(Ler ouvindo: https://www.youtube.com/watch?v=1aa0INeaOVE)