O gato preto, 1954, acervo do MARGS.

O gato preto, 1954, acervo do MARGS.

Diz-se que o gato tem sete vidas. Nunca antes tive um gato que pudesse monitorar. E mal posso dizer que não gosto de gatos, arriscando minha própria integridade física. Afinal são os gatos que comem os ratos, salvando a humanidade da peste e de todos os passarinhos que puderem alcançar. Diferentemente dos cachorros, os bichanos são bem higiênicos, sabem enterrar seu próprio serviço na areia, vivem com as patas limpas, comem bem menos e são ótimos para decorar muros, digo, entreter as crianças. Gestos suaves, passos elegantes, pulo certeiro, capacidade de descansar e manter silêncio são as poucas lições que podemos obter com um gato.

Outro dia um cliente meu, saindo à porta do escritório, na sala de casa, me chamou para dar uma olhada. Minha filha andava segura e lindamente sobre um muro, que para o lado de baixo oferecia a possibilidade de queda de uma altura de oito metros. O outro filho menor, além de andar sobre os muros, aprendeu a subir no telhado do paiol. Encontrou as vias depois de muito observar. O mais velho descobriu com o gato uma maneira de chantagear o pequeno. “’Deixa eu’ jogar no computador ou não te deixo pegar o gato.” É o que ele diz, oferecendo a vantagem, caso ceda ao acordo, de o outro estar com nosso gato preto no colo. Sim, temos um gato preto, que adotamos, havendo-o encontrado perdido numa trilha de mato. Diz um amigo meu que se trata de um gato do mato, mas o veterinário atestou que o bicho é apenas um gato. E eu confio nos dois.

Parece que os gatos desta cor podem servir de morada para bruxas por seis meses, sobre isso não boto nenhuma fé. Mas se eu fosse uma bruxa, poderia obter vantagens, aumentando a estima deste. Ou, sendo uma pessoa comum na multidão, ter uma bruxa espichada no meu sofá neste instante e nem saber. Descarto a hipótese, que meu gato é macho, e em todo caso, não é sobre ele que quero falar agora. Há outro gato andando sobre os muros por aqui: o gato amarelo. Este, que agorinha mesmo enfeitava o muro bem diante da janela de trabalho. Porque agora, momento seguinte, falando sério, não sei que fim deu no gato.

O bichano, reflexivo, além de encontrar uma falha no sistema que o permite lograr a comida do meu gato, aprendeu a andar no mesmo muro e do mesmo jeito que minha filha andava outro dia, desprezando qualquer risco de queda. E tudo ia bem. Estava bem do sossegado, na posição típica de gato sobre o muro, tomando o sol tímido de uma manhã gelada, ou banhando-se de um restinho de lua, não sei precisar, observando o movimento dos passarinhos no telhado da casa do vizinho que não mora mais ali. Concentrou, preparou e pulou no telhado. Mas não conseguiu se agarrar. (Frustrei de camarote.). Ele caiu da altura dos oito metros que contei antes, mais o metro até o telhado. Pude ver quanto se deu conta do erro de cálculo no salto e girou rápido, patas para baixo. Ouvi o barulho do corpo chegando ao chão.

Agora me digam… O que faço? Não vou subir o muro para ver se ele está bem lá embaixo. Nem vou sair por aí perguntando se viram o gato amarelo sem dono. E não quero esperar para descobrir que testemunhei a sétima morte do gato pelo meu faro. Não há ninguém morando no cercado de segurança máxima para que eu possa ligar. Devo chamar os bombeiros? E presenciar a queda de um gato, isso dá azar ou sorte? Talvez deva aprender com ele a calcular melhor minhas investidas? Seria Deus falando comigo através do gato amarelo? Qual a moral da história?