Sábado, 06/04/2024, eu e os meninos Flavio e Lucca subimos o Pico Abrolhos, no Conjunto Marumbi em Morretes/PR. O Marco foi nosso “táxico” – motorista tático.
O tempo perfeito, fresco, arejado, pingado, permitiu a imersão filosófico meditativa. Inspirada em Adam Smith e em seu conceito de mão invisível, desenvolvi o conceito de pé invisível.
O pé invisível é crucial para aquele tipo de parceria onde um entra com o pé e o outro com a bunda.
É o que te despede por puro capricho, mas também é aquele que exerce o direito de espernear contra tudo e contra todos mesmo quando já perdeu a questão faz tempo – rescisão assinada, trânsito em julgado, voto vencido, minoria, inconformismo, negação, essas coisas.
É o pé empresário que não tem cão caça com gato e o pé direito que inicia o projeto mesmo sem ter todos os recursos.
Pé que te toca no coice, no eia-eia, sem medo de que vá machucar. Chute de primo-irmão que te dá o conselho, paga a conta, avisa pra tia ou guarda segredo, te chama de retardado porque você fez errado, deu mal exemplo, se pôs em perigo, nem se arrependeu.
É o pé que te acorda e já te chama: de porqueira-preguiçoso e te lembra: de que o dia amanheceu e você tem obrigações para consigo mesmo, com os pais e filhos, com o mundo e com as botas que agora estão na lavanderia cobertas de barro, não vão se lavar sozinhas.
É o pé que, silencioso, faz o mundo ir pra frente, não pelo amor, nem pela dor, mas na teimosia da marra.
O pé invisível, o bum da explosão, chutou aquilo que chamamos de globo terrestre. Estamos sobre a bola, girando no embalo.
Obrigada, meus amores, por esse dia maravilhoso. Por serem os pés invisíveis que me movem. Vocês não podem ver, neblina densa, mas ali, bem à nossa frente, estão a Esfinge, a Ponta do Tigre e lá no alto o Olimpo nos espera para uma próxima.
Resultado da terceira auditoria: são 270 grampos cravados nas rochas do Abrolhos. Margem de erro de cinco grampos, para cima ou para baixo. (Contados os degraus das escadinhas, são mais de trezentos.)
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Mas nasceu. E agora? Nasceu no canteiro de flores, ao lado da entrada do carro, na beira do concreto, no acesso, colado ao pilar que segura o portão. Deseja que o adotem. A mãe não tem terreno onde possa plantar, só uma pequena casa no centro da cidade. Qualquer lugar que crescesse, fosse ali, incomodaria os vizinhos no futuro. Os avós até tem um pedaço de mato, poderia pedir a fração necessária para crescer uma grande árvore. Em vinte ou trinta anos, daria pinha, seu fruto, e sementes. Lá não é bem uma fazenda, com capatazes. Mas há ao menos um facão no paiol. É risco imenso: ser decapitado. Ao menos teria uma chance. Caminhasse, fosse escondido, pela sombra, à noite, enraizasse numa margem, nos trinta metros reservados por lei, viveria.
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Hoje fui incumbida de entregar 45 máscaras de pano na Cooperativa dos Catadores de Material Reciclável. Quero noticiar sobre.
A cooperativa está com os portões fechados, abrindo somente para chegada dos caminhões da empresa Transresíduos. O serviço de coleta é considerado essencial, como sabem, e uma vez coletado o material reciclável segue para cooperativa. Lá não pode ser acumulado em grandes quantidades, que dirá por muito tempo, sem processamento, pois se assim fizer a cooperativa será notificada pela Vigilância Estadual. Isso já aconteceu no passado. Daí porque os cooperados seguem trabalhando, ainda que se saibam: expostos ao coronavírus.
Cheguei lá, quase ao mesmo tempo, chegou um carro de particular trazendo materiais recicláveis. Fomos ambos atendidos do lado de fora do portão, aberto o cadeado. Eu usava máscara. O condutor do outro veículo, também. O reciclador que nos atendeu não usava, respeitou a distância.
E o que muda com a chegada das máscaras aos recicladores? Primeiro, creio eu, diminui a sensação de que ninguém se preocupa. A presidente da cooperativa, Sandra A. L. C. Machado, irá orientar os cooperados a utilizar as máscaras de pano (tecido duplo), que os protege, especificará, ainda que minimamente, de eventuais perdigotos lançados na respiração dos colegas cooperados que trabalham um frente ao outro, seja na esteira, na prensa, em todo galpão. Cada um será orientado a levar sua máscara para casa, ao final do dia lavar e estender secar, para ter a máscara para usar no outro dia. Se porventura esquecer, haverá algumas unidades reserva.
Os recicladores estão muito expostos. Tocam o dia todo em materiais que toda cidade destina pra lá. Pessoalmente não sei se o trânsito de máscaras para casa é ideal. Então talvez alguém pudesse sugerir que um cooperado se responsabilize por recolher, lavar bem cada máscara, estender secar e redistribuir no dia seguinte, limpas. Não sei se todos prefeririam desta maneira, nem se seria a melhor opção.
A filosofia ou método ‘LEAN Adaptable to Any Circumstance‘ – reinventamos segundo nosso interesse haja cabimento ou não -, pretende ensinar empreendedores a aperfeiçoar o uso de seus recursos de forma contínua, sempre revisando processos internos, levando o feedback em consideração. Pois que venham as críticas!
Sabemos que uma pessoa respirando por poucas horas com uma máscara de pano em pouco tempo irá umedecer a máscara e neste instante estará mal protegida. Isso precisa ficar claro aos recicladores. Estando claro “de que adianta continuar usando a máscara?”, perguntarão. Bom, da mesma maneira como acontece com toda ação de conscientização para a reciclagem – os resultados nem sempre são mensuráveis – estaríamos usando a máscara para, entre outras coisas: * treinar usar máscara; * estar protegido nas primeiras horas; * acostumar a ver uns aos outros de máscara; * habituar a conversar com o outro de máscara; * aprender a evitar levar a mão à boca, porque a máscara lembrará que a mão pode estar contaminada: de um vírus qualquer, de um vírus pandêmico, de germes, bactérias, fungos.
Em suma, talvez o uso da máscara venha para ficar.
Quando fiz um pedido de máscaras no grupo da família, minha irmã e minha sogra enviaram alguns contatos. Obrigada! Em especial agradecer a Nágila Hinckel, nos retornou em nome do Rotary Club. Infelizmente o clube não tem máscaras para doar neste momento mas poderá fazer esforços em conseguir algumas unidades adiante. E, claro, ao Clube da Lady, que se comoveu demais com minha mensagem, fornecendo as 45 unidades distribuídas. Esta mensagem que colo:
“Os recicladores podem eventualmente não ser considerados tão importantes como os profissionais da saúde, que, como dizem: estão na frente da linha. Não obstante, se um cooperado se contamina, contamina outros que trabalham consigo, leva o vírus pra casa, e nesta temível hipótese, a Saúde Pública terá que lidar com uma quantidade de casos local muito maior. Ao cuidar de cada trabalhador na ativa, ao considerar o reciclador essencial, e em protegê-los, ainda que minimamente mais que antes, protegemos o mundo todo.”
As ladies entendem desta maneira. As costureiras, que não medem esforços em produzir mais unidades, entendem desta maneira. O Rotary entende desta maneira. Eu também. E os cooperados, que desde hoje estão usando máscaras, dando o exemplo a cada trabalhador, pessoa da família e bairro para que se protejam, entendem desta maneira. Ninguém é obrigado a concordar. Escrevo porque conto com leitores que discordam. Nos ajudem a aperfeiçoar a defesa!
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Por favor, quem puder doar mais unidades, doe. Quem puder usar máscara, use. Forte abraço, fiquem bem, obrigada.
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Sonho em preto e branco, de Alegra Catarina
… catando possíveis clientes, indicando o telefone de assinatura do serviço, na nota fúnebre do Seu Popular. Havia um público alvo ali. Não era o caso de prestar homenagem ao velho amigo. Afinal, o amigo estava morto. Advogados entregam cartões no velório, caso alguém queira providenciar os papéis do Inventário, no ato. Outros vendem flores, cremação, cliques no jantar de despedida da família. Há quem doe a própria alma, e quem pregue: “se estiver pagando, não importa quem é”.
Pensava nisso enquanto despertava do sono, segurando na mão, no sonho, um objeto de gesso, branco, sob o qual, agorinha mesmo, acumulava pó, que espanei. Tinha o formato de goiva (em miniatura), com desenhos em relevo, contando a história do dono, por símbolos. Gárgulas vigiavam a pequena obra, nos cantos superiores.
À esta altura, de dentro de outro quarto – um reservado, que a família nunca antes teve acesso -, saíam: caixas de papéis; fotografias não reveladas; dezenas de revistas Playboy; a senha de endereço da internet contendo a palavra “Pênis”. E o que mais surpreendia: mulheres, vestidas com lingerie cara, surgindo detrás das cortinas, do armário, debaixo dos panos da cama, do banheiro. Era um antro! Ou melhor, cativeiro. Cada uma que saía pela porta (como se nunca antes houvesse sido convidada…), levava consigo um pedaço da história que queria acreditar.
Coube a mim, surgindo às mãos, esta Peça, que o sonho me pregava. O jornal não registrou, ninguém deu a falta. Testemunhas ignoram o nome do homem semanas depois. Ou querem não lembrar. A tortura é um tipo de prazer que exige confiança mútua. Deixamos de sentir prazer quando a porta bate. Experiência própria.
Lembrarei melhor dos detalhes assim que a lucidez voltar por completo. Protejo a retina da luz que incide gradualmente. E devo me prometer nunca (mais) deixar alguém se apropriar de mim de tal modo. Ainda que alguma lembrança feliz possa me trair querendo que acontecesse de verdade.
O jornal chegou. O dia amanheceu! É hora de lavar o rosto, parar de sonhar absurdos. O dono do quarto jamais pedirá “desculpas” às tantas mulheres que enganou. Nem poderia, agora que estou acordada. Nem que pudesse se sentiria obrigado. É triste.
Olho para a arte e reluto entre querer preservar, ou fazer dela cacos. Quem é que ainda guarda anjos, goivas, gessos? Certamente alguém, em algum lugar, guarda. Cada um tem seu jeito de viver e ninguém queira ensinar a viver àquele que viveu preso, boa parte da vida, numa cova.
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Dizem (os sujeitos ocultos é que dizem) que as gárgulas, um dia, já souberam voar. Que algumas, além de voar, nadam. Mergulham até Atlanta, nas férias, e lá passam o verão, num hotel com piscinas de água aquecida. Dizem que trabalham em turnos, se revezam. Nem tudo é verdade. Algumas gárgulas não passam de felizes proprietárias de um pedaço de gesso, telhado, anjo, exemplar de jornal. Outras: do próprio Jornal. Todas têm visão noturna, isso com certeza! Se fecham os olhos, durante o dia, é para preservar as lentes. Dizem.