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Quem eu sou?, de Alegra Catarina

Quem sou?, de Alegra Catarina

É o nome de hóspede mais bonito que já li. Está no hotel desde terça-feira. Sem companhia na primeira noite. Apenas um dos travesseiros da cama de casal estava amassado, por isso sei. Devia ter dormido profundamente. Pouco mexeu os lençóis. Cedo escovou os dentes, na pia, não no box. Tomou seu banho, pendurou as toalhas. Descansou a tampa do vaso. Nada indicava ter feito a barba.
Se tomou café não voltou para o quarto. Escreveu no verso branco de um cartão de visitas: “Obrigado, Theritas”. Alguém entraria no quarto depois que saísse. Sabia que iriam se desencontrar. Deixei sem resposta, alterando levemente a posição.
A mala descansava aos pés do armário, ao lado um par de sapatos marrom, sem cadarços, embrulhado. Duas camisas brancas, duas camisetas brancas, nenhuma calça ou casaco, foram acomodados nos cabides. Meias e cuecas, certamente as trouxera, outras peças e acessórios, não estavam visíveis. 
Dispensou o cobertor, na segunda noite. Dormiu sozinho, coberto, na terceira. O bilhete continuava lá. Encontrei uma camisinha usada da noite passada, numa volta de papel higiênico, na lixeira do banheiro. Ao lado do bilhete, outra, fechada, como quisesse indicar o que aconteceria no turno.
(*) A foto acima não tem nenhuma relação com o presente texto. A estátua, de bronze, é homenagem a Alberto Santos Dumont, e fica na Praça Santos Dumont, nas Cataratas do Iguaçu, em Foz do Iguaçu/SC. Fiz uma provocação para que cada um leitor se perguntasse, pelas características: gola alta, pessoa magra, engravatada, usando chapéu e paletó, de quem se lembraria, sem nenhuma outra referência. Estamos muito acostumados a “rever” as pessoas via fotos atualizadas no Facebook. Mas será que as reconheceríamos na praça, se topássemos com elas, sem ler o nome, sem uma localização ou profissão de referência? Isso vem de encontro ao exercício de aprender a descrever um personagem. Deveríamos descobrir nele as características que lhe são exclusivas, que o diferem dos demais. Será que o meu personagem, meu hóspede no texto acima, usa chapéu? Descobriremos adiante, se a estória nascer… Quem dera eu, arrumadeira, entrar pra história, por ela. Mas, quem sou? A camareira? O narrador? A outra pessoa com quem o homem investigado irá se encontrar logo mais?