Vamos brincar disso, ensaiando?

 

A – Chorei. Começo assim. Toca pra frente o diálogo…

M – Não chora, por favor. Estamos indo bem. Estás aqui, no meu coração. Sabes disso. Ficou claro em tudo o que eu fiz e disse. Ou não?

A – Já passou… Escrevendo-o, farei de ti um príncipe de olhos azuis.

M – Agora o azul tem valor, né madame! Quando estou perto, só falta dizer que me estraga o rosto…

A – Pra mim não faz diferença a cor dos teus olhos. Só servem pra enxergar.

M – Eu sabia que não darias o braço a torcer. Se cheguei ao mundo para salvar os de olhos azuis perante ti, já terá valido a existência.

(blecaute rápido)

(ela continua atrás do computador)

(ele aparece em outro cenário, com o celular na mão)

M – Acho que não daria certo o teatro entre nós.

A – É ótimo trabalhar com alguém que muda de opinião toda vez que o relógio muda o dia do calendário. Agora sei que você é casado, oficialmente. E oficialmente, também sou. Serei mais cuidadosa quanto ao nosso palco.

M – Ainda não tenho certeza de como vamos tratar esse cuidado recíproco. Só sei que meu zelo por tudo continua extremo.

(blecaute rápido)

(ela continua atrás do computador)

(ele aparece em outro cenário, com o celular na mão)

A – E o que eu ganho com isso?

M – Eu. Em particular.

A – Fechado!

M – Mas isso é meio plágio, notou?

(fecham as cortinas) (abrem as cortinas) 

M – Quantas mulheres que tu conhece dariam um minguinho para viver uma história assim? Eu tenho certeza de que o destino me fez um privilégio.

A – Sou grata. Mas sei lá… Um mindinho ainda é um mindinho.

(igual, não necessariamente na mesma ordem)

A – Sabe o que destoa nesta história?

M – Diga!

A – Andei sabendo que de vez em quando uma mulher conhece um homem pela internet, vai até ele, e se decepciona, porque ele é feio. E você é bonito.

M – Vale o mesmo pra você. E aí que o bicho pega: seremos autores bonitos!

A – Não sei o que vimos um no outro.

M – Eu sei o que vi, fale por ti.

A – Estou dizendo os telespectadores, diriam: “Não sei o que viram um no outro.”

M – Mentira. Há outro jogo: ela não é “tão linda assim”, “podia ser eu”. Há coisas que passam além do rosto absurdamente harmônico e que transformam alguém em símbolo.

A – ‘Deusa Madrugada’, é, até que gosto… Continue…

(esqueçam o blecaute) (esqueçam as cortinas)
(ataque de risos o faz tropeçar na rua, para além da faixa amarela)
(teatro em reformas)

M – Lembra quando o Chico Buarque namorou uma moça casada?

A – Namorou é? Fale por ti quando diz que não presta. Eu vou para o céu.

M – Dois ou três filhos, trinta e tantos, uma mulher lindamente mulher comum.

A – Sei. Meu biotipo.

(ela reaparece detrás do computador)

(ele reaparece em outro cenário, celular na mão)

M – Escritores não vão para o céu. Meu professor garantiu. Nem anjos como eu. Ohhhhhhhhhhhhhhhhhhh. Perdi a hora! Culpa tua.

A – Vá lá. Assumo a responsabilidade. Peça para me ligarem se tiver problemas em casa. Seja sempre bem vindo ao nosso universo particular. E bons pesadelos à noite…

M – Pesadelos, é? Posso até ver teu melhor (pior) sorriso a esperar minha reação. E ficar imaginando que imaginas minha própria expressão.

(gás hélio no momento ‘puff’)

(luz na expressão sorridente e aceno de despedida)

(blecaute final) (fecham as cortinas)

(cochichos) (M – E o sonoplasta?) (A – Schiii, sou eu, fica aí…)

Play em: “Você pra mim”, Fernanda Abreu. http://letras.mus.br/fernanda-abreu/69077/

FIM

(aplaudam!)

ADENDO:

https://alegracatarina.wordpress.com/2015/03/10/teatro-particular-adendo/