Moema 064

Ponte, de Alegra Catarina.

Em dia de amigo, somos um para o outro, ‘eu’ e um amigo meu que revelo entrelinhas, como aquele puta cavalo, com três pernas boas, e uma manca.  Nem eu largo dele, nem ele de ‘eu’. Porque amamos este cavalo. E o amor, como sabem, quebra nossas pernas, amolece nossos corações. Perdoa tudo.

Expliquei certa vez a ele – que até hoje não acredita em mim, porque me conhece e sabe que eu minto em contrário quando quero – que eu sou destas pessoas capazes de transformar, argumentando, o mais bronco dos homens, em um docinho.

Exercito, tripudiando, é quando ele, revoltado comigo, dá passos largos à frente, se distanciando e bufando. Porque entre amigos, e entre cavalheiros e seus cavalos, reinar um com o outro é de praxe. Sobre divisas, cercas, bons modos, maneira de dizer, servir o chapéu, estas.

Mas passada a tensão, ao fim da trilha, de volta à sede, cada um pra seu lado, acenamos sinceros, de remendo tapinhas nas costas, ou na traseira do cavalo do outro, desejando “que a paz lhe dê boa noite”, como bons vizinhos que somos.

Passará muito tempo, e vamos gostar de caminhar, lado a lado, numa boa prosa. Ainda que mudos e escaldados de nós mesmos, o necessário e por precaução, como agora.

Em manhãs frias de céu claro. Em cair de tarde, sol distante, pintando o Leste horizonte. Com farol de lua, madrugada de sonhos: de colinas verdejantes que beiram precipícios. Trazendo memórias, que revivemos, em versões diversas, fração da pequena aventura nossa.

Enquanto levamos os cavalos mancos para passear, dedicamos tempo, revelamos apreço, e eterna consideração.

Vamos ficando velhos, nós quatro, mais um mês, depois do outro, e eu inda invento todo dia para eles (meu amigo e seu cavalo) um final feliz: romântico. Enquanto ele, meu amigo, segue ao meu lado, inventando para mim (e meu cavalo), cada dia novo, final feliz: dramaticamente crônico.

Funcionamos bem assim.

Inventariando, dentre os mansos, sou dos dois: o mais xucro. E tua “é, atualmente, a amizade que eu mais prezo.” Por amor à qual mais rezo. E de todas a que mais desejo. Caro, doce, amado, querido, eterno amigo!