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Flores tagarelas, de Alegra Catarina

Desde que o sol partiu para outro sistema solar, abandonando o Estado de Santa Catarina – onde moro – à mercê da lei da gravidade do chuvisco eterno, larguei mão de fazer os exercícios que me permitiriam desfilar o biquíni de bolinha amarelinha, na praia verde, este ano.

Chuviscava, eu trabalhava, um pio piava…

Minha filha – de folga da escola – estava a me contar que o pio incessante vinha detrás do botijão de gás. Era de “um filhote de passarinho pretinho”, ensurdecedor e invisivelmente desesperado, se escondendo ali. Eu podia ter ido conferir, mas como disse, chuviscava, eu trabalhava, lá fora, um pio, piava.

Orientei-a que impedisse nosso gato preto de sair de casa. A providência os manteria entretidos, e longe do chuvisco, durante a manhã ‘chuviscosa’.

Chuviscava, eu trabalhava, um pio piava, um gato miava, dois irmãos discutiam o destino do gato e do passarinho…

Chamei-os para virem até a janela. Lá fora a mãe-saracura tentava ensinar um filhote de saracura de penugens negras a pular o muro dos fundos, agarrando-se a unhas-de-gato – espécie de trepadeira que o recobre – sem sucesso. Meu filho não estava conseguindo ver o pintinho preto na grama, e nos demoramos, eu e minha filha, apontando: “ali, ali, no pé da parabólica”.

Chuviscava, a mãe-saracura emagrecia, praticando Le Parkeour, uma família de humanos observava pela janela. Era chegada a hora de agir! Saí à caça do pintinho preto. Consegui sem nenhum esforço imobilizar o filhote lançando uma toalha sobre ele. Ssssuuu, sssuuu, o acariciei e com alguma delicadeza o fiz cair do outro lado do muro, onde viveria solto, cresceria livre, píu, píu etc.

Os ‘píus’ cessaram. Encomendo a alma e espero o castigo.

Bem antes disso joguei quatro chuchus velhos nos quatro cantos do meu pequeno quintal sem plantas. As folhas protegeriam as minhocas do sol escaldante no verão, além de encobrir as sobras de alimento que lá deposito, mantendo filhotes de pássaros a salvo enquanto caçam grilos e insetos fáceis, em perfeita harmonia sonora com o chuvisco caindo sobre as folhas de chuchuzeiro.

Algum cri-cri cricrilava, estimulando meu eu Schopenhauer a desenvolver teorias novas sobre o barulho e o ruído. Eu Nietzsche o seguia cabisbaixo, prevendo o nascimento da tragédia. Eu Wagner assoviava a Ópera dos Nibelungos. Meu eu Darwin coçava um fio de barba sobre o queixo, me olhando sério. Eu Newton catava bolinhas que caíam da moda.  E chuviscava tanto, mas tanto e tanto, que acabou anoitecendo. Confirmando a teoria do  meu universo.