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Uma casa que não existe mais, de Alegra Catarina

“A única maneira de certificar-se de que tudo dará certo é não deixar por menos.”

A serragem que eu ia colocar nas plantas do jardim a evitar que o mato crescesse tão rápido. O próprio jardim por capinar. A porta, os caixilhos, o trinco, a espuma expansiva, que fecharia o arquivo mas agora descansa, deitada, na sala vaga. O verniz por passar nesta mesma porta e no banco de madeira, gesto contínuo. Os cavaletes e a escada, fora do lugar de origem, por devolver. O presente de aniversário de um menininho que ainda acredita nas promessas dos adultos, a responsabilidade com o sentimento alheio, o pacotinho de balas Nurf, tudo na lista de tarefas. O sábado à noite: inauguração de uma nova fase. A festa de família, confirmadas cinco presenças, duas por cancelar. A ida até Itaiópolis em busca dos meninos que estão acampando. Tudo ali, defronte à minha janela: suspenso. Em dez minutos eu providenciaria que as engrenagens da Máquina de Resolver Tudo Sozinha voltassem a funcionar.

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Também estou triste que o sol foi embora. Mas como dizem, não se pode ter tudo. E o que é certo é certo. É muito conveniente que, confirmando a previsão do tempo, o frio tenha voltado. A par dele a umidade ideal relativa do ar, o vento, a neblina… a vida como ela é. Tudo aquilo que é bom demais pra ser verdade, normalmente, é ilusório. Anjo sem asas que caiu do céu, com algum tempo livre até ser chamado de volta à própria escravidão, e que, sem o grande poderoso por perto pra dar a ordem do dia, pensa que sabe o que está fazendo ao soprar as nuvens, exibindo aos homens a camada de ozônio limpa e lustrada, como se outros fatores, o efeito da lua sobre as marés, a força centrífuga, o peso dos movimentos de rotação e translação da Terra, pudessem mesmo ser ignorados.

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Compete a mim conferir no correio o porque aquele livro bom, o que fala de amor, enviado ao meu endereço, ainda não veio. A mim, lê-lo.

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Ah, o amor, em falar dele… Amor à vista! Nem tudo está perdido. Hoje, há 516 anos, descobriram o Brasil. Contam, na primeira carta, que aqui não faltava água, nem nada. Tinha tanto de tudo que até sobrava.

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Uma casa de madeira com um pé de laranja barbudo de velho na frente, é algo que, visto mil vezes, tantas me comove. Uma casa que já não existe. Um pé de laranja que já não existe. Uma foto do passado.