Sexta-feira tem sarau na minha cidade. Estou convidada a ler um texto. Meu. Sem tema definido. Por sugestão, dada passagem ao Dia da Mulher, um texto feminista, disseram. Mas sou antifeminista. E a aversão que tenho de machista não raro me faz querer ignorar a ignorância.

Talvez pudesse falar em nome dos tímidos, oprimidos e atormentados.

Olho minha foto. A foto da tímida é o que vejo. Alguém devia me fotografar outra. Nua, quem sabe me perdia de vez. Ganhava confiança. Ajustava qualquer defeito, imprimindo em preto e branco, passando lápis corretivo. Mas ficava o ‘problema da voz baixa’, ampliado, amplificado.

O Milton foi quem alertou no Natal, bendito seja. Recomendou que eu desistisse de ser a Maria do José. A voz dispersaria a plateia… Desde então parei de falar. Resolvi teclar. Quem não tem cão, não temerá os latidos.

Devia é ter virado roteirista de novela!, escrever falas difíceis, com trava línguas, por pura vingança. Talvez, se treinasse muito, e fosse bem boazinha, pudesse ganhar a fala.

Anos antes fiz o tal do Curso Básico de Oratória. Ou a vida vai passando, e quando vê, nunca posou de avião, nem falou ao microfone. Defendi o discurso a favor dos prefeitos comprimidos na sala dos últimos recursos tendo de agradar povo e oposição. Os participantes elogiaram. Mariano, amigo querido, riu. Perguntou o que é que eu estava fazendo perdida ali no meio. Aos melhores: à vontade. Sejam sempre bem francos sobre as nossas fraquezas.

O orientador Jucelio testemunhou meu pânico na noite anterior, evitando chamar à vez, mas pediu palmas pela desenvoltura, no dia seguinte, aí vai saber. Hoje em dia não se pode confiar nem mesmo em conselho tendencioso de mãe, para elas somos ótimos quanto mais ‘generosos’.

Pairando a dúvida, perguntei baixinho à Juli, fonoaudióloga: se eu falo baixinho, ou se as pessoas é que estão acostumadas com gente falando alto e por isso não me ouvem. Hoje atendi alguém assim. A contar pelas minhas rugas, ou foram os cabelos brancos, ela concluiu que estava falando com uma senhora da quarta idade. Minha avó completamente surda do ouvido direito teria escutado lá da rua, em meio ao barulho dos carros e carroças, fubicas poluentes sonoros decibéis estourando o tímpano esquerdo que lhe resta.

Ouvir bem é bem de família. Meus ouvidos podem até fazer de conta que não leem os bons conselhos, mas garanto que escutam até tic-tac de relógio digital se tic-taquear em sala de cinema com legenda.

Houve um veredito e este não bastasse para fazer calar, o ajuste ortodôntico ajuda: desajustar a musculação da língua, fazendo as palavras soarem interrompidas. For por celular, a conversa, sobe o pavor de a outra pessoa não entender a menos que se suba no telhado, e se for cedo, em dia frio, e ainda estiver na cama, assunto bom é melhor ligar outro dia… A recomendação médica é de que se passe um fio fixo, for falar, que o aparelho móvel tem o poder de distrair as mulheres do problema central. Elas vão andando e falando e veem um pé de mato no vaso da planta, já vão logo arrancando e digitando a resposta num e-mail. Até a pessoa terminar de contar o problema, a solução já está pronta na agulha do enter.

Talvez eu possa representar as pessoas que escrevem mas não leem por falta de tempo. Amanhã, no sarau… Direi que estes, podem não ter a voz boa, nem ter nascido prontos aos olhos de Deus, ainda assim conseguir digitar um texto de no máximo 3.000 caracteres em dez minutos, vaga pra secretária.

O primeiro é mais difícil. Risinhos tímidos são esperados.

(Não sei o que ler, ainda. Nem sei se tenho voz… Lendo assim, sei que parece verdade. E é.)