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Chipcar, de Alegra Catarina.

Então, nas manhãs que se seguiram, uma pessoa decidiu que não mais precisava buscar pão naquela padaria tão distante, como hábito. Mal se importava em não ter mais o ‘bom dia’ do simpático padeiro detrás do balcão. Soube do próprio, que andava doente. E não voltou mais lá, saber das melhoras. Porque agora, ela mesma, tinha uma máquina de fazer pão. Passou a se ocupar de linhaça, castanhas, chocolate, sim, frutas secas, inseridas na própria dieta. E da namorada, a quem agora tinha de agradar. Era uma boa nova, a nova, na sua nova rotina… 

E na de todos o cheiro de pão no Bairro. Suave movimento do outro lado da rua. Era agora preciso primeiro, ouvir vozes de despedida daquela casa, para depois aos comuns, baixar as persianas; esfregar o pão de ontem com margarina; tomar a penúltima xícara de café; ler a crônica daquele escritor que gostam (e do qual tem coleção quase completa de livros). O próprio, dono da máquina de fazer pão, e dos melhores conselhos. Querido com o qual toda moça bonita gostaria de se casar. Era isso, e o dia por encerrado.

O próprio padeiro, aquele outro, do outro bairro, sentiu a necessidade de se reciclar. E gostaria muitomuito mesmo de aprender a fazer pão de outra maneira, que não fosse à velha bacia de plástico verde, e sovado sobre a madeira. O processo era judiado, lento, solitário. E talvez começasse a fazer mesmo algum sentido desmontar o velho forno.

Fora ser contador, profissão na qual formou, e se estabeleceu originalmente, não havia outra coisa que ele gostasse mais na vida, que fazer pão. Você conhece a verdadeira vocação de uma pessoa, pelo gosto que ela tem em realizar a parte mais enfadonha de uma tarefa. E eu conheci bem o padeiro de que falo… Ser o primeiro a levantar e o último a ir dormir, era o caso dele. Leitor assíduo estava sempre em busca de novos elementos, fórmulas, fornecedores, do trigo ao gergelim, para produzir o melhor pão. Só assim, pensava, daria orgulho à sua avó. E importava a ele agradar os doentes, gente com a perna quebrada, o coração partido, especialmente as senhorinhas. A estas levava sempre a melhor atenção. E ainda que não reconhecessem a importância dele na vida delas, tentava agradar assim mesmo.

Então o padeiro, meu amigo, viu aquele convite público bem ali. E admitiu para si mesmo – se qualquer um pode aprender, eu também posso. Salvo engano, se procurar na internet deve ter um manual para download gratuito de ‘como fazer pão’. Eu mesma tenho um livro com duzentas receitas de pão que nunca usei. Não era preciso. Minha mãe me ensinou tudo que eu precisava saber sobre pão – aos oito anos! Era obrigação minha e das minhas irmãs, amassar, ver crescer, sovar, enformar, cortar três tiras, pintar com ovo, e assar quatro pães, três vezes por semana. Domingo não precisava. Era serviço do padeiro. Aprendi também, tudo sobre broa. Talvez alguns não saibam o que é uma broa hoje em dia (aqui na padaria do lado não sabem, se arriscar pedir). Mas eu sei. Minha avó me ensinou preparar, amassar, dispor e assar quatro broas de cada vez, num forno de lenha. Fiz todos os processos muitas vezes. E qualquer um pode fazer uma boa broa, garanto. É fácil. Meu avô me ensinou sobre o fogo, tempo de brasa. Tudo. Sei tudo. Sou a própria sabichona. Sei até fazer geleia. Sim, de uva, ameixa, laranja, pêssego. Estas.  

Para aprender a fazer pão com uma máquina de fazer pão, era preciso, antes de tudo, não saber nada disso. A crítica é severa com os fora do padrão. Uma ligação e você está morto! Para o padeiro, meu amigo, no mais, que morasse no Bairro certo. Ou o contrário causaria muitas gasturas para todos os envolvidos. Mas sabem como é todo padeiro. Este, meu conhecido, mais teimoso que o ‘burro do padeiro’ (conhecem esta história?), só faz o que quer. E resolveu tentar. Não houve resposta definitiva. Ouviu-se dizer que o instrutor, embora comprometido com a avaliação do pleito, estava constrangido em admitir que não conseguiria lidar com a limitação física do padeiro. Sim, esqueci-me de mencionar. Ele não tem pernas. Nunca foi mesmo necessário. Sempre trabalhou só com as mãos e braços. Da praça onde morava só os mais antigos poderiam saber deste detalhe. Era impossível aos demais perceber de trás do balcão. O padeiro se movimentava com muita propriedade sobre uma banqueta com rodinhas.

Os clientes fiéis continuam chegando pelos fundos, buscar o pão. E a porta da frente agora serve como exemplo público, do que acaba acontecendo com gente teimosa, que todo dia, não insistiu no dom de contar.