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Canarinho, de Alegra Catarina

É uma língua universal entre nós. Um simples assovio do meu pai e já sei que ele está precisando do martelo, do rastelo (rastel entre nós), ou de uma mão para mover um móvel de lugar, pagar um boleto na internet, ajudar n´alguma tarefa da mais banal à mais complexa. Meus primos entendem a mesma língua. E se meu tio assoviar, entenderei. Fosse o vô assoviando, todos saberíamos. E fosse ele chamando meus tios, estes lá de sua vez também entenderiam. Mas se fossem os vizinhos dos meus tios e os filhos deles, era a mesma coisa. E se forem os filhos dos meus primos, idem. Os meus não. São criados na cidade e nunca os chamei via assovio. Logo não são o que se poderia chamar de bons ajudantes.

Detalhe de assovio para chamar é que sempre o mais velho pode chamar o mais novo, mas nunca o contrário. Pouco importa se a diferença de idade é de dois meses. Atender assovio é sinal da boa educação que recebeu, de respeito, solidariedade, gentileza, confiança nos seus. Sem questionar,de pronto, é sinal de humildade e reverência à família.

Ouço meu pequeno assoviando. Ele assovia o dia todo. Olho em volta a procura do meu pai ou tios ou primos, tantos. Não me ocorre que algum outro vizinho saiba o código. É alguém da família, penso. Talvez de passagem querendo dar um recado. Caminho ao redor da casa para atender ao chamado. Não é ninguém. É só meu filho assoviando sem propósito algum. Ignoro se queira me pedir algo. Tenha visto que eu fui ver já é suficiente, por hora. Entro em casa sorrindo. E o porquê da minha alegria? Elementar. Se ele está assoviando é porque nos ouviu assoviar. E entendeu.

Lembro como hoje o dia que aprendi. Ensaiei semanas. Voltava da escola, estava quase alcançando o barranco de casa e o som finalmente saiu. Eu tinha oito anos, como meu caçula agora. Assim que eu voltar, contarei a ele. Antes…

– Schiiiiit!, chamo.

– ‘Quê’, mãe?

– Quero te dar um beijo.

– Ah, só isso!

Agora toda vez que alguém da família assoviar, ele já sabe. Lá no nosso tempo, acho que ganhamos um sorvete Super Moni no palito ou éramos convidados a um pedaço de cuque fresco. O efeito é o mesmo. Ou alguém assoviava só para testar se atenderíamos de pronto, até aprender. (Não te chamei? Então vem aqui… )

– De tanto te ouvir, os pássaros também aprenderam. Ouve só…

Aperfeiçoei a didática.

Ausente no Natal, levo o caçula no bico. E ele me leva de ouvido.