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Coruja no banco, de Alegra Catarina.

Coruja no banco, de Alegra Catarina.

P.S. Este texto faz parte da coletânea: O INSENSATO. Frente de exercício. Não deve ser tomado como opinião do escritor. É apenas uma visão de fatos. Nada pessoal nem contra ou a favor de ninguém.

(Como diria Pedro Bial: se for à Brasilia: “use filtro solar”. Lá é o inferno…)

Sobre os três poderes que emanam do povo, não vamos discutir com o amigo hoje. Por que? Embora tenhamos a obrigação (dever?), como amigos, não temos poder para isso. Sabe… O peso das palavras… “Obrigação” não tem o mesmo peso que “Poder”.

Tal como quando se passa uma Procuração Geral a um advogado. No momento em que fazemos isso, não conferimos a ele obrigação de nos representar, mas o Poder de nos representar, se preciso. Quer dizer, ele pode intervir diante das piores circunstâncias, da nossa ausência, incompetência, morte, da nossa prisão, mesmo que não possamos estar lá: na delegacia, na audiência, no cartório, na rua e na fazenda. Mas se ele quiser ir no banheiro primeiro, ele pode, sabe. Por que não tem a obrigação de nos atender de bexiga cheia, sem o atestado de óbito em mãos, as provas, cumpridas as formalidades, de posse de um computador com internet, sem certificado digital, viajando de férias no meio do Pantanal. E sabe porque? Por que ele também é um ser humano. Não é um bandido nem nada disso…

Ainda que seja assim, a legislação mais moderna tem caminhado para algumas mudanças. Por exemplo, a de RH. O novo funcionário (público) do Banco do Brasil tem a obrigação de fazer horas de treinamento anual e prova periódica de habilidades, sob pena de perder o cargo. E tem a obrigação de atender no horário de expediente, desde que o sistema esteja funcionando. Se o sistema estiver funcionando e ele estiver no horário de expediente e considerando que ele tem o Poder de Executar a função de atender, deve (pode?), em tese, Executar (leia-se: cobrar a dívida).

O guarda não! Este deve ficar em pé, bem quietinho, só olhando. A polícia, por sua vez, tem o Poder de te prender se você começar a esbravejar e acabar desacatando o funcionário. Mas não tem obrigação de estar ali bem na hora em que o cliente desacatou o funcionário para poder registrar o flagrante delito. Mas pode te prender mesmo assim, preventivamente.

AÍ É QUE ESTÁ. VIAJANDO, CHEGAMOS AO PRESÍDIO. AQUELE PRESÍDIO SEM CERCAS, COM FALHAS DE TODA ORDEM. CULPA DO DIRETOR GERAL QUE DEU LICENÇA MATERNIDADE DE SEIS MESES PARA FUNCIONÁRIA DO DEPARTAMENTO DE COMPRAS.

A polícia (vítima 1, em missão) não tem a obrigação de controlar os presos diante da situação catastrófica em que se encontra o presídio e isso a dispensa da obrigação. Mas tem o poder de te meter um balaço na cabeça se por acaso te vir correndo com uma metralhadora na mão, criança. ( Rádio comunidade: atenção mães que estiverem em casa nos ouvindo, vai haver uma fuga do presídio logo mais, recolham as crianças e fechem a porta não abram para ninguém). Ainda que tenha este Poder, não tem a obrigação de matar meia dúzia de vagabundos que vivem perambulando pelas ruas sem nem Raul para ouvir. Sem Legião Urbana, sem Paralamas, sem Rock and Roll. Só droga, na rádio local, notícias da bandidagem correndo solta. Dois menores de dezesseis.

Mas o juiz tem o Poder de condenar aquele .píp. do chefe dos policiais em serviço, que foi até a tv, fazer um discurso público, condenando-os de antemão, com um único propósito: o de distrair a atenção da mídia para o caso aéreo que envolvia o filho do governador de São Paulo (vítima 2, a missão).  Em nota: o chefe dos policiais é do Executivo, e na sua ignorância completa, diante das câmeras de tv, esqueceu que ele mesmo não tem poder de julgar. Alguém poderia perguntar: mas pra que é que eu te pago, incompetente?! Avisei para escolher, ensaiar as palavras. Mas tudo bem. Pois eis que agora o juiz tem o Poder de julgar, e absolver os policiais, te condenando por abuso de poder de mídia, cada um à sua sorte. Muito embora, não tenha o poder de Executar, leia-se: meter um balaço na cara do .pip. que tinha o Poder de executar, e acabou julgando os colegas. Não ajuda, não atrapalha.

Por sorte a dele, o juiz não tem a obrigação de fazer isso primeiro, se há um caso bem mais grave para ser resolvido, outra audiência de julgamento marcada a tarde, e hoje é dia do balé da filha. Mas Pocahontas!, como diria a mulher, ele tem o Poder de cancelar a audiência, se esta não for tão importante e expedir um Mandado para que se mude o horário do balé da filha, ou não? E se a coisa ficar séria mesmo na direção de casa, embora tenha a obrigação de estar no balé da filha logo mais, correndo o risco de brigar com a índia, pode não ter o Poder-do-Controle-Remoto-Sobre-Tudo. Por que o Poder que emana do povo, papagaiada toda que lhe concederam (a duras penas de estudo em troca de alto salário e estresse nível cinco) o obriga a mandar prender uns e outros ao menos a minoria, que estão soltos por aí neste instante sem trabalho, já que acabaram de fugir do presídio e o balé fica a dez quadras daqui. (Comovente, não? Conta para filha dele, que ensaiou o ano todo…)

Acontece que ele também pode ficar nervoso, perder a concentração e então focar o olhar no chefe dos policiais que julgou os policiais sem dar a eles o Direito de Defesa, e imediatamente emitir um Mandado de Prisão e destituição do cargo contra este ser inservível em matéria de Direito. Já que a obrigação dele primeira seria se preocupar com a filha, depois com os bandidos soltos (mandar prender), depois com o babaca do chefe dos policiais (que abusou de poder), depois com os policiais (que dormiram em serviço)… Nesta ordem. Qual a pressa?

Por sua vez, e pensando bem, os mesmos policiais daquela jurisdição, tem a obrigação de levantar cedo e cumprir o Mandado do juiz. Mas podem ficar dormindo em serviço com… (censurado) … se quiserem, porque o juiz tem o Poder de requisitar outros policiais, inclusive de outra jurisdição se preciso, e todo filho de deus merece um descanso etc.

Os outros policiais em serviço, já que não vão perder o dia, tem o Poder de cumprir o Mandado de Prisão contra aquele bando de fofinhosdamãe, inclusive contra o divertidíssimo chefe deles (o meu é ótimo, lhes garanto). Mas eles não tem a obrigação de correr à pé até Minas Gerais que é onde o chefe e seus comparsas bandidos promovidos por ele mesmo a segurança de elite foram se esconder, sabendo que iam ser presos…

Opa! A tv está filmando isso? Tanto melhor… Já que estou defendendo os policiais e o gato no telhado que fez um estrago na manutenção do helicóptero do filho do governador, meus clientes no caso em tela, sem procuração é certo, mas pretendendo obter a procuração adiante. Que uma cara boa, voz austera, porte elegante, cabelos impecavelmente tingidos com mechas brancas e óculos, diante da tv, contam pontos na hora do julgamento, amigo, nota? E é melhor ser amigo que inimigo, como rezam os dez mandamentos. (Há uma brecha legal aqui, percebeu?)

Eis que entra o Legislativo na jogada e com os Poderes que lhe foram conferidos pelo Papa, cria um mandamento NOVO dizendo que: o policial (ou escritor) que dormir em serviço será imediatamente deportado para o Planalto Norte do estado, e quem tem o poder de fazer isso é seu imediatamente superior. A lei, leiam todos, deverá ser cumprida (ou não) pelo próprio leitor, que passa a ter o poder de julgar. Opa, opa, opa, mas isso é inconstitucional! E não estamos preparados para tanto. Não foi exatamente por isso que lhe demos o Poder? Para não ter poder algum?

Acontece que teu chefe, profundo conhecedor da Carta Magna (edição de 1988, mais ECs, conhece?), resolve não cumprir a lei, porque apesar de ter o Poder, não tem a obrigação. Além disso, no fundo do seu íntimo, sabe que os policiais (e advogados, e dentistas, e ginecologista, e pediatra, e cabelereiro) são tudo gente boa, pais de família, honestos, trabalhadores, e não merecem perder o cargo só porque… (censurado)…, bem no dia em que a tv estava lá filmando tudo e ele (por azar no plantão) foi à tv falar mal dos seus. Com quem inclusive joga pôquer à noite, é padrinho dos filhos e assim por diante. Tendo até conta conjunta para movimentar em caso de extrema urgência ou bolão da mega sena. Além disso, como de conhecimento público, tem pretensão de sair candidato a Vereador daqui dois anos, e você sabe como é, você sabe, você sabe, redundante repito, os votos da família e dos colegas de trabalho são importantes.

Posso ficar aqui o dia todo e te dar mil exemplos, ao final concluiremos: antes de dar aos três poderes tarefa de casa, dê aos três poderes PODER. Por que de obrigações eles estão cheios até a borda. O grande problema com o Poder é justamente este: que qualquer pé de chinelo morador de condomínio com wifi tem Poder hoje em dia. O de ir às redes sociais e sair plantando a culpa nos outros, por ofício, por exemplo. Falou palavrão? Culpado. Cuspiu no chão? Culpado. Ultrapassou na faixa contínua? Culpado, mil vezes culpado. Falo isso e se falo, não falo tudo, tampouco por obrigação, diante do Poder que tenho de te por a par dos acontecimentos, nesta postagem, amigo leitor. Poder este que me conferiu, no momento em que confiou a porta da tua casa. Pois de que me adiantaria ter a obrigação de lhe escrever, sem o Poder da mídia, nesta longa jornada, da literatura…

Por falar nisso, obrigada a preferência, volte sempre. Hoje em dia, sem audiência, me desculpe a franqueza, mas, texto longo, erro de principiante, você seria imediatamente condenado, sem ler. A menos que contratasse um bom advogado. Aqui, meu cartão. Sabe aquele estudo sobre “O Processo Criativo”? Então. Dê procuração nos autos. Assine sem medo, confia e passe adiante… Te autorizo pensar em mim o quanto quiser. E enquanto não tenho carteirinha, serei tua cobaia com todo prazer. Somos só palavras mesmo, proseando, igual árvores, proseando. (Este pensamento aí é meu mesmo). Sem poder algum. Nível do chão. Somos os caras que fazem o serviço sujo. Categoria solo. Submundo dos subtraídos. Marginalizados da sociedade. Súditos. Sub 38 no meu caso…