Eu estava ali o tempo todo, só você não viu” (Pity canta)

Olho para o céu, por mais piegas que soe a frase, olho para o céu, totalmente azul, exceto por três moitas de algodão, por mais piegas que soe dizer que as nuvens parecem feitas de algodão, e me emociono. Porque você não está aqui, comigo.

Olho para borboleta amarela, uma borboleta muito velha, olho para o fim da vida da borboleta, voando em círculos arredor do pézinho de limão do meu singelo quintal, sem forças sobressalentes para alcançar vôos mais altos, e vejo outra borboleta branca, novinha em folha, voar ali perto, e penso sobre isso, e me emociono. Por que você não está aqui, comigo?

Sei que hoje à tarde, precisamente às cinco horas, estarei no cemitério, próximo do túmulo aberto, a enterrar alguém que significou algo, representou modelo a ser seguido, foi uma Dama com caixa alta no D. Criou bem os filhos, educou os netos, é pessoa querida da avó Auristela. Há poucos dias passando ao lado da entrada da minúscula cidade de Paraguaçu, dizia a quem estava ao meu lado das quantas vezes Dona Dolores e o marido (muito mais importante), saíram de São Bento do Sul aos domingos, passando por Itaiópolis, pegar meus avós, para irem comer pirogue no único restaurante, típico, estabelecido num casarão muito antigo, lá no que mais se parece um “vilarejo”.

Minha avó, do velório, não ficará para o enterro, e eu, primas e tios, estaremos lá até o último minuto para representá-la de alguma forma. Em sinal de respeito, exatamente como os filhos dela farão, quando minha avó, esta igualmente Dama, se for. E pensando nisso tudo, me emociono. Porque você não está aqui, comigo.

Você não estar aqui comigo é certamente a prova que enfrento, neste dia lindo, e a cada outono, inverno, primavera, e todo ano, no verão inteiro, no exercício de me tornar uma pessoa melhor, por minha própria conta e risco, sem você, repito, aqui comigo, para me ensinar a ser. E porque não estou contigo, da mesma maneira, é que sei, do teu enfrentamento diário, no mesmo sentido. Você, que é ou não é meu amigo, que de outra janela olha o céu, e se emociona.

Somos companhias invisíveis, uns dos outros, no mais das vezes.

Lembrei de ti agora, Madô Martins, e do teu texto todo “Azul”, publicado na revista eletrônica RUBEM, no qual comento:

Gostei muito do povo junto, assim reunido, Madô. E do tom. E do plúmbeo.
Que presente procurar a película de cores e ficar ali, olhando, olhando, olhando… Nem vendo, mas olhando, para tudo aquilo que não se vê. Porque está lá adiante, escondidinho, na moita da cor.

Eu gosto de ver as pessoas reunidas arredor de um túmulo, num domingo de céu essencialmente azul, com um ventinho fresco carregando pequenas nuvens brancas. Por mais tolo que soe. A cena é, quase sempre, o fim de toda tensão. O fim de uma vida metade feliz, metade infeliz, como todas, por mais que queiramos nos iludir em contrário.